sexta-feira, 1 de abril de 2011

140. Estupidez humana

O ser humano é de verdade uma criatura inteligente, social e patética. Apesar do cérebro de 2kg para um corpo de 70 e dos polegares opositores, simplesmente temos a necessidade crônica de nos relacionarmos com quem quer que seja, simplesmente pelo prazer advindo da necessidade de satisfazer esse buraco. O ser humano morre de medo - ou seria tédio? - de terminar abandonado, e por isso tantos amores, dores, fofocas, traições e corações partidos por preferir andar mal-acompanhado do que só. E nunca, nunca aprende que o dito popular tem toda razão.

Por experiência, posso dizer que é muito difícil viver sozinho, principalmente porque, muitas vezes, se você está só é porque as pessoas te detestam. O que foi meu caso por muitos e muitos anos. Pra não parecer que estou posando de vítima, digo logo: não era. Era uma princesinha insuportavelmente perfeccionista, exigente e arrogante, que se achava uma mártir do mundo porque ninguém gostava de mim. Eu já nunca fui muito sociável naturalmente, e ser nojentinha simplesmente atirava as pessoas para o ponto diametralmente oposto. Mas eu dizia tudo bem, caguei, daqui a 20 anos eu nem vou vê-los, quem liga pra eles, nem queria mesmo.

Mas quando havia festinhas e não me convidavam, quando falavam de mim pelos cantos, quando faziam graça por coisas que eu dizia, eu que sempre fui tão mais culta que a média... bem, a verdade é que minha personalidade estúpida contribuiu e muito para eu ser pária, mas não foi só isso. Todo grupo precisa de um alvo, e esse alvo era eu, por muitos anos. E por muitos anos refugiei-me na certeza de que poderia me superar se me desligasse de todos. Que poderia viver baseando-se apenas na minha família e nas minhas capacidades mentais. Sozinha, nadando com todas as forças em um mar vazio, escuro e frio.

Mas todos temos fome. E pouco a pouco, fiz alguns amigos e fui cedendo, aprendendo a me relacionar com os outros, ávida. E somente depois de tornar-me maior de idade que consegui me inserir mais ou menos com grupos. E deixar a porta aberta (não muito) para os relacionamentos crescerem, faminta de amor, mas ainda um pouco desconfiada. Hoje, posso dizer que confio um pouco mais facilmente que antes, por descobrir pessoas boas em gente a quem eu não daria chances; e isso pode um dia me destruir novamente.

Só que mais cedo ainda eu descobri um outro caminho. Rápido, fácil, não requeria carinho tampouco julgamentos, porque era absolutamente anônimo, ainda que público. Sim, amigos, é a internet.

A internet é um perigo. Você usa seus polegares opositores para digitar seus pensamentos e sentimentos ali, à mostra, um livro aberto, sob o refúgio de um nickname (geralmente muito bobo), para que não sei quantos bilhões de pessoas os vejam, avaliem, suguem e se empanturrem. Sim, se empanturrem. De felicidade ou de sofrimento - mais de sofrimento, ao saber de histórias de familiares mortos, doenças incuráveis, amores desfeitos. O prazer de ler relatos tristes não é sádico - ok, sim é, mas não é sempre mau. Nosso cérebro anormalmente grande tem uma assombrosa cabacidade de empatia, como também têm os cães, os gatos e as zebras, e acabamos adotando essas histórias terríveis como se fossem nossas. Na maioria das vezes de uma forma romantizada, claro; metade dos "sinto muito por você" é só fachada, você quer ver mesmo o desfecho.

Mas não importa: você está falando e alguém está ouvindo. Nem que seja só um link do twitter. Alguém viu, alguém leu, alguém deu RT, alguém acessou o feed, alguém comentou. É um alívio: você não está só. É melhor, muito melhor que um diário, no qual você fala consigo mesmo e a única forma de avaliar a pressão é relendo tempos depois. Você não mostra seu diário pra ninguém, que ele existe, tem seu nome e seu cheiro nele. Todos vão rir de você ao lerem. É pra ser secreto. Blogs não; blogs são para serem partilhados, para que se possa extravasar sem correr o risco do rídiculo. Que se falam mal, oras; você não os conhece, não importam. Os que importam são os que se "preocupam".

Bauman fala certo nas relações virtuais. Elas não envolvem nada, e migram para a vida real. Dentro da internet, porém, são mais ou menos seguras, ainda que vazias de significado. São para ser vazias de significado. São para tentar preencher o buraco que temos no peito, onde a solidão dorme. São como os personagens nos filmes: são lindos, mas são mentira.

Até que acontece que, no máximo da patetice, você acaba se envolvendo com alguém da internet. Um outro anônimo, que pode ser um mentiroso, que pode ser um assassino, um tarado, um imbecil, um feioso, um espião internacional, o seu vizinho, o menino que você gosta, um suicida. Um outro solitário. Estão sozinhos na solidão. Nos segredos que não podem partilhar com os amigos, e que, entalados, encontram liberdade na web. Nos detalhes. Nos risos. Nos gostos em comum. Na desenvoltura em falar sem ver o rosto, sem ouvir a voz. De pensar antes de escrever. De não precisar morder-se a língua. De extravasar sem medo do que dirão, porque não importa o que o outro pensa. Ou importa?

E uma amizade real surge na internet, como uma rosa que nasce no deserto. E é uma confusão. Com o coração aberto e sangrando, você olha para o outro tirando a máscara do rosto. Que é a única coisa que falta para desvelar tudo, para arrombar o castelo, o último fio de a te prender na frivolidade segura dos laços virtuais. Você se apega. Gosta mesmo. E, patético, percebe-se pequeno.

Eu me sinto pequena. Me sinto mais criança do que há muito tempo sentia. Como a vida é curta e parca. E como fazemos de tudo para deixá-la ainda mais miserável, invocando tempestades sobre mesquinharias, crentes de que a felicidade é real mas nunca nos alcança. Quantas coisas lindas existem nessa droga de mundo minúsculo, quantas coisas mínimas nos fazem chorar de amor apenas por olhá-las. E como uma maldita pessoa, tão insignificante em relação ao universo sem fim, pode ser um universo em si. Como, através de seus malditos textos passados, de seu maldito blog e de seus malditos emails e conversas de msn, consiga operar dentro de outra a quem nunca viu na vida, a quem nunca tocou, a quem nunca sentiu o cheiro. Como uma maldita pessoa microscópica perante de Deus pode te abençoar com coisas que realmente importam, que são invisíveis aos olhos e impronunciáveis com a boca, órgãos enganosos.

Não sou uma pessoa humilde, Ele sabe que não. A tudo tenho de entender, analisar, categorizar e rotular, ou enlouqueço. E por isso que sinceramente enlouqueço agora, por não ser capaz de entender. O Amor (com maiúscula, porque é O Amor em geral) me confunde, me estapeando no escuro qual demônio gozador. E às vezes me pego angustiada, relendo coisas e desenhando com um carinho avassalador, e na minha mente ecoando "Eu não entendo! Eu não entendo!" Não é pra sequer tentar entender, mas é mais forte do que eu. E antes que, em pânico, eu tente fugir em debandada de sentimentos confusos, o Amor vem e me paralisa como uma cascavel a um ratinho. E não fujo. É ainda mais forte que meu instinto.

Antes, eu tinha muito mais medo. Agora, não tenho tanto. Como disse, me sinto pequena. Jovem demais, tola demais, arrogante demais, tão preocupada com minhas pequenas conquistas e misérias. E vejo essa pessoa, ela também jovem, tola e com sua própria vidinha, que no fim das contas não vai acabar escrita em nenhum documento sagrado, e será esquecida mais cedo ou mais tarde. E leio aquilo que ela era antes de mim - no blog que deveria ser anônimo mas agora é um diário antigo, no pc -, antes de entrarmos na vida uma da outra, e percebo que, no fim das contas, cada indivíduo é um grãozinho de areia, um pedacinho de nada, no turbilhão que é a vida de alguém. Uma vida que, por mais desinteressante que seja em termos macro, é vastíssima quando se olha de perto. É lindíssima, é longa, e as pessoas crescem e crescem e a vemos crecser facilmente. E pode não durar pra sempre no mundo, mas vai durar dentro dos outros, enquanto durarem. Não que isso valha muito. Ou vale?

Importa então? Importa agora? É assim que é? E é assim que vai ser?

Então tá.

Um brinde à estupidez humana.

Nenhum comentário:

Postar um comentário