sábado, 6 de junho de 2009

96. Amava

Olha, eu só estou aqui agora porque gosto de você, entende, gosto mesmo. Não, não quero te namorar, embora há alguns meses eu até gostaria disso, mas mesmo naquela época não sei se aceitaria, e hoje certamente que não, a não ser que você se mostrasse diferente do que vejo, mas naquela época - você se livrou de boa - eu gostaria de um relacionamento qualquer, porque eu era apaixonada por você da forma mais pura e adorável que alguém poderia, como uma criança, mas éramos muito cuidadosos e você muito desatento.

Sim, eu fui apaixonada por você, não sexualmente, não, eu te amava, amava mesmo, e com tanta doçura que ficava feliz somente com seu sorriso, com seu olhar, com sua atenção e o jeito que apertava minha mão, entende, eu te amava como as crianças se amam, quando se amam, e sua presença ali, atrás de mim, fazia meu coração dançar entre minhas costelas feito louco, e seu beijo em minha testa me fazia suportar sua falta até quarta, ou sexta, e os fins de semana eram todo uma espera sofrida pra te ver na segunda-feira. Eu fiquei mais bonita, sabe, comecei a me arrumar, comecei a sorrir e encabular e ficar mais mecânica e me odiar por isso por você, eu amava sua pura existência, seu inspirar e seus suspiros e seu riso.

Mas não amo mais. Sou feita de carne, querido, ilusões não me enchem a barriga. Passei a desejar o que não podia. Almejava seu cheiro, o toque meu no seu cabelo - eu ainda mexo nele - , seu gosto da sua boca na minha, seus dedos brincando com as linhas da minha mão, seu abraço. Não é bem o que não podia, mas você não me queria, você nunca pareceu me querer, entende, eu era sua amiga como todo mundo era, você era o cavaleiro das rosas brancas com todo mundo, eu não era especial de outro jeito pra você, e comecei a achar que você não tinha direito nem vocação de ganhar as chaves nem do portão mais externo do meu coração, e te deixei de lado, com pouca dor e muita consciência.

E você passou a ser mais um pra mim. Porque comecei a achar graça. Comecei a rir de você, a brincar com você, solta, rosnando quase, rindo da sua surpresa, essa é a minha vendetta contra sua tolice de não me desejar. E aí até considerei as opiniões da galera, e te pegar, te empurrar à força contra uma parede qualquer e te encarar com o indubitável ar de "e aí", mas isso não tem graça, não tem propósito, só funciona se houver aproximação mútua, e você não demonstra nenhum interesse, nem um olhar, nada. E sou muito tímida, apesar de parecer que o mundo deve saber de minhas alardes, mas o que você deve saber sobre mim você não sabe, pouca gente sabe.

Estou te dizendo isso porque você não é homem, você é menino. E todas as mulheres, todas as muitas mulheres que te amam como amei sentem o mesmo, você deve ser cuidado porque é raro, é fofo, é engraçadinho. Você é feito pra algo casto e lindo, SE e somente SE se apercebesse do fato. Estou te dizendo isso porque acho sua indecisão irritante e se você pelo menos considerasse que não há como se esconder na casa dos seus pais pra sempre, que é necessário conhecer gente e soltar as rédeas do canalha que existe em você de vez em quando, porque é natural, a gente quer sim ficar com você, te beijar, te tudo isso, quer ver você dizer não pro mundo de vez em quando, e parar de pensar nas consequências, e ir logo e prestar atenção naquela sua coleguinha que, diabos, está vestindo decote e te chamando incansavelmente pra sair por um motivo apenas, por muitos motivos, por um mundo, e que sua falta de ação a faz sentir uma vadiazinha.

E estou te dizendo isso aqui, agora, porque você consegue ser pior que eu era um tempo atrás, você é certo demais e isso não pode ser saudável. Estou dizendo isso agora porque você descuidou de uma dama da noite, conhece dama da noite, é uma flor perfumada e branca que parece uma coroa e que desabrocha ao anoitecer para morrer à aurora, eu tinha o coração aqui na mão pra você mas você nem viu, não é culpa de ninguém, você me magoou um pouco porém, o orgulho ferido ninguém cura, né? Estou dizendo pra você crescer, porque não quero cuidar de você e você acho que não vai gostar de pensar assim, eu quero que cuidem de mim, e você é delicado demais.

Estou te dizendo tudo isso porque ainda te quero, recôndito, tênue, mas quero. O pensamento de você me enlevou e foi lindo, pra mim. Mas agora é pataquada, e quero que você saiba que estou aqui se você me quiser, me ganhe se quiser, mas não vou tentar ganhar você assim ativamente mais.

O pensamento de você me tornou viva. Obrigada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário